segunda-feira, 12 de março de 2012

Viagem à cidade do México


Foi uma daquelas viagens atribuladas, carregadas de ansiedade e sofrimento causado pelo relógio e pelo desconforto. A saída foi exatamente no meu dia de aniversário. Mas lá parti eu, feliz e contente.
A partida foi pelas 10 horas da manhã, em 28 de Março do ano de 2012… Às sete já estava a caminho do aeroporto.
Até Madrid gastámos pouco mais de uma hora. Aí apanharíamos o avião da companhia mexicana para a cidade do México, onde os Beatboys iriam atuar para mais de cem mil pessoas, num dos maiores eventos do mundo deste género, a “Expo Sexo Mexico 2012”. Tínhamos aproximadamente duas horas de intervalo.
Mas o fuso horário e a má leitura do bilhete levou-nos a ver o avião levantar e acabámos por ficar em terra. A desilusão e a impotência foram pesadas e duras de roer. Fomos diretamente às informações sempre com as malas cheias de esperança. Antes, recolhemos as bagagens pesadas e no limite do peso aceitável.
A má notícia chegou… O próximo voo para a cidade do México seria vinte e quatro horas depois. Segunda desilusão. Por gentileza, a responsável lá nos deixou pagar uma taxa para podermos viajar com o mesmo bilhete, porque na realidade tínhamos perdido o direito de viajar com o bilhete em posse. Menos mal…
Após quatro horas, tínhamos pela frente, mais vinte e três e ainda doze de viagem até ao destino. Tempo demais para viver num aeroporto. Mas não havia solução. Á porta da WC não me restava outra solução se não unir as tropas. Sabia que iriam ser horas duras, sem conforto, sem família, ser carinho, sem TV, sem companheira, sem lençóis, sem comida decente, sem segurança e muito, muito tempo para partilhar com as mesmas companhias. Estranhamente, estávamos numa situação em que nada havia para fazer, nada dava para fazer, não tínhamos para onde ir, nada havia para ver… Aproximavam-se momentos complicados. A experiência dizia-me que, ou atuava já ou o barco iria perder a direção.
Foi então que pedi para se juntarem todos. Perante todo o astral de rastos e a desilusão ainda bem presente, sentia que havia uma vontade subconsciente de acusar o próximo, encontrar culpados, chorar de raiva. Era o momento:

- Pois é malta, o avião já foi. Não interessa encontrar culpados porque cada um é responsável pelo seu bilhete e se alguém confiou no próximo, paciência, assuma o erro de não ter tido o trabalho de confirmar o seu. Mas a vida é assim e diariamente há gente a perder o avião. Não fomos deliberadamente negligentes, por isso não nos devemos sentir culpados. Agora e mais que nunca, estamos entregues a nós próprios, vamos passar muitas horas juntos e o cansaço, a má disposição e o desconforto vão tornar-nos mais sensíveis, sem paciência. É neste momento que nos temos de apoiar, manter a boa disposição, ajudarmo-nos, ajudar a que o tempo passe, sempre unidos. Olhar para trás nada resolve, o avião não volta e o próximo ainda está longe. Vamos lá tentar ocupar o tempo, inventar algo, manter as energias positivas. Depois deste azar e sofrimento, vão ver que tudo compensará. Perdemos algum dinheiro mas ainda havemos de ter lucro. Perdemos um dia mas ainda temos cinco para mostrarmos o que valemos. Vão ver que no final ainda nos vamos rir… Ok?

Os sorrisos renasceram em nós. A primeira missão foi encontrar um local para pernoitar, o mais confortável possível. Mas a tarefa pareceu impossível. Os bancos foram criados de maneira a não ser possível a posição horizontal para dormir. Tudo pensado para o bom aspeto do aeroporto e dos seus utentes.
Procurámos estratégias até que descobrimos um recanto, janelas gigantes viradas para as pistas, parapeitos baixos e em madeira… Mas não passaram no teste. Eram estreitos demais para corpos de noventa quilos. Continuámos…
E lá descobrimos o lugar ideal. Claro que já estávamos mentalizados que a descrição de lugar ideal já pouco se aproximava do desejado. Era um corredor amplo, próximo de um dos “Check in”, com tomadas para ligarmos os aparelhos eletricos, restaurante a três metros, aberto vinte e quatro horas, com tudo o que não prestava. Aí estava o nosso lar. Apressámo-nos a apoderar de um espaço. Rodeámo-nos dos carrinhos de transporte de bagagens, ligámos o Notebook do David e decidimos ir jantar. Escolhemos uma mesa onde pudéssemos vigiar os pertences e lá fomos.
Depois da refeição, bem cara, regressámos aos lugares. Começaram a chegar mais viajantes e lá se foram agrupando junto a nós. O tempo andava lento, o David partilhava os filmes, os grupos ao lado ainda mantinham as gargalhadas. Mais longe, um casal inventava uma caminha confortável para a criança irrequieta.
O tempo andava, a criança já dormia e os viajantes iam adormecendo em posições pouco ortodoxas. O David acabava de se deitar sobre o casaco e algumas camisolas que tinha na bagagem. O Samoco, já tinha adormecido profundamente durante a tarde no banco de jardim exterior, onde aproveitámos o sol brilhante de Madrid. O Sergi, relaxava sentado, reclamando com o David para deixar ver mais um filme. E eu lá consegui inventar uma coisa parecida com o conforto de um colchão, um porta-fatos com quatro fatos de dança. Já nem me preocupava se os iria engelhar. O pouco conforto permitiu adormecer por uns largos minutos, sempre interrompidos pela vigia aos nossos pertences enquanto a voz do aeroporto repetia vezes sem conta, - Sr. Passageiro, por vossa segurança, não abandone a sua bagagem, vigie-a.
Belo conselho para adormecer…
Já bem tarde, ou bem cedo, o Sergi decidiu adormecer sobre a mesa do restaurante. O passatempo preferido foi, ir até ao restaurante e comer ou beber algo. A sandes mais barata era a 5,20euros, fora a bebida, o café, o bolo… O resultado final foi aproximadamente cem euros só em alimentação.
Pelas seis horas da manhã, já acordados pelas dores infringidas pelo mármore frio e duro do chão, o segurança informa que já não podemos permanecer na posição horizontal, só sentados. Para mim já tanto me fazia porque há muito que o chão do aeroporto não me atraía…
O tempo foi passando, com o grupo sempre unido, apoiado em boa disposição e força. Chegou a hora do novo “Checkin.
Somos então informados que o avião estava atrasado duas horas.  Depois de todo o sacrifício, aquela notícia era fel. O meu comentário soltou-se para os meus companheiros:

- Se eles passam esta informação, garanto-vos que não levantamos voo nem dentro de quatro horas.

E assim foi.
Os minutos finais antes do embarque foram de tensão, alimentada pelo fantasma da última perda. Quem expressou mais a ansiedade foi o David. Mas não era naquele momento final que iríamos quebrar a união.
Finalmente embarcámos em direção à capital mexicana. O cansaço era indisfarçável.
A aterragem precedeu-se de uma longa vista de luzem sem fim. Claro, trata-se de uma das maiores cidades do mundo. Parecia que estávamos a passar um grande distrito de Portugal mas totalmente iluminado, onde se agrupava tanta população de uma cidade como a população total do país luso.
Finalmente aterrámos.
À nossa espera estava a equipa da “Expo Sexo Mexico 2012”. À primeira vista, demonstravam uma capacidade de organização e respeito bastante notáveis.
Direção: Hotel. Hotel = conforto + duche + sono + sossego. Esta era a equação que tanto esperávamos.
Depois do duche ainda arranjámos forças para um bom jantar mexicano com o nosso agente Óscar.
Deliciei-me com uma pura piña-colada, uma boa carne e um descafeinado. Poucos arriscaram e fizeram o mesmo pedido, exceto o David que se arrependeu.
A rua era estranha, muito movimentada. Os bares eram enfeitados com imagens de corpos masculinos esculturais.  A cada esquina havia quiosques ambulantes e fixos que vendiam um pouco de tudo, especialmente tabaco avulso e alimentos, género petisco. Por todo o lado havia supermercados abertos vinte e quatro horas, uns maiores, outros eram talvez lojas de conveniência.
A contradição surgia para os mais desatualizados. Uma das cidades mais violentas ou menos seguras do mundo mostrava-se como o oposto. Não percorríamos mais de quinhentos metros sem ver um Dodge, super equipado, com grelha frontal para choques violentos, polícias com coletes á prova de bala e luzes de emergência sempre ligadas, com tecnologia “Led”. Era por certo, a cidade mais vigiada e segura do mundo, exatamente o oposto da visão europeia sobre a México. Estava deslumbrado… A organização policial era soberba, implacável e praticamente omnipresente.
Caminhar naquela cidade mais parecia caminhar num cenário futurista e imprevisível.
No dia seguinte, apercebemo-nos que a zona do hotel era quarteirão mais conhecido e frequentado pelo mundo “Gay”. Isso tornava a rua num local ainda mais seguro para as estrelas femininas do mercado dos filmes pornográficos. Embora as instruções fossem para não sair do hotel, algumas atrizes fugiram no escuro da noite para dar um passo de dança e lá comentavam de manhã…
A primeira saída para o “Expo Sexo Mexico” foi fria mas entusiasmante. Para nós era o primeiro dia, para os outros, o segundo. Ninguém saía do hotel sem a estreita vigia dos “guarda-costas”. Todos os passos eram acompanhados pelos olhares dos vigias.
O “mini-bus” levou-nos até Pavilhão de congressos. O cenário policial mantinha-se durante o dia e por todo o lado que passávamos.  Os “Guarda-costas” nunca se afastavam e guiavam-nos ou seguiam-nos.
Entrámos num espaço gigantesco, dividido em quatro. Cenários enormes elevavam as imagens das atrizes porno, umas estrelas, outras menos. Nós nem sabíamos para onde íamos…
Entrámos num camarim central, rodeados de staff, seguranças, atrizes lindas, oriundas do leste. Lá construímos um canto para os Beatboys. Os olhares desconfiados iam surgindo em direção aos novos hóspedes.
Em relação à organização dos espetáculos, tudo corria menos bem. Nem um lugar tínhamos para atuar. A frustração começava a apoderar-se de nós. O sonho começava a desvanecer.
Um palco surgiu. Era um palco pequeno, feio, sem local para permanecer… a primeira atuação foi curta e improvisada. Captámos alguma atenção mas longe do que nos habituámos. Mais tarde, já à procura de novas soluções para termos sucesso, organizámos um show mais completo e interativo.
Entrava em palco o Samoco, seguia o David, depois o Sergi e por fim eu.
No final da atuação do David, o espaço em frente estava apinhado de gente, acalorada e excitada com o espetáculo. Agora já tínhamos o ambiente que tanto esperávamos e ao qual nos habituámos. Os sorrisos renasceram. Mas foi neste momento que entra um animador. Pedi-lhe que se afastasse um pouco para eu fotografar e a resposta nada tinha a ver com o meu pedido. Percebi que o que ele, timidamente, me estava a transmitir. Ou seja, estava a dizer-me que, como estava ali muita gente, o espetáculo terminava, para eles poderem vender.
Se bem me conheço, esta era uma “batata dura de roer”.
Após alguns segundos de meditação, dirigi-me ao resto do grupo e disse:

- Arrumem de imediato as vossas coisas, tragam as minhas e vão ter imediatamente comigo ao camarim.

Não havia lugar para boa-educação. Virei as costas e fui.
No camarim encontrei o Oscar junto do Alberto, o patrão de tudo. Chamei o agente à parte e expus a situação:

- Oscar, estamos aqui para trabalhar e sermos respeitados. Nós só queremos trabalhar, nada mais. Seja muito ou pouco, estamos aqui a representar-vos e queremos condições para fazer o que sabemos fazer e darmos o nosso melhor. O que se passou foi que, alguém responsável pelo palco onde atuávamos, interrompeu o nosso show a meio para poder vender e isso é uma falta de respeito pelo nosso trabalho, ainda por cima porque o argumento é carregado de estupidez. No mínimo, esperava pelo final e ditava as regras, não era a meio do jogo. E aí, teria o direito de concordar ou não.

A compreensão foi imediata. Um pouco mais tarde, o Alberto falou comigo, percebeu a gravidade, lamentando e instruiu o Marco, responsável pela organização dos espetáculos, a encontrar um bom palco para os Beatboys.
Fomos para o palco Holanda.
Era um palco de sexo ao vivo mas não passava de shows lésbicos, decorados com sexo oral e vibradores à mistura. Longe dos habituais “sexo ao vivo” dos eventos ibéricos onde nós atuávamos.
O espaço era amplo, bom som, boa visão. O responsável pelo som era o Jorge, indivíduo simples, bom amigo, companheiro e sempre prestável. Ao contrário do espectável, as atrizes do show lésbico, receberam-nos e ajudaram-nos sempre. O facto que poderia ser ponto de conflito, era o de necessitarem de tempo para tirarem fotos, que eram pagas. Nós também o queríamos fazer e neste momento, a frase “Tempo é dinheiro”, encaixava plenamente. Mas não foi. Toda a equipa que pertencia ao espaço em questão, portou-se como uma família. Todos tiveram o seu momento para tudo e todos brilharam sem conflitos ou atropelamentos.
O público era de cem homens para dez mulheres. Isso nunca impediu as mulheres de terem o seu espaço e manifestarem-se efusivamente. Posso afirmar que o povo mexicano é um povo de mente aberta, muito evoluída e sempre feliz. 
Com o passar do tempo, os espetáculos tornaram-se mais escaldantes e a nossa interação com o público tornou-se ainda mais próxima.
O show do hino dos Beatboys, o “Sexbomb”, deliciava o público presente e o nosso ego crescia.
Numa coreografia improvisada do Sergi e do David, com a fantasia de polícias, decidiram convidar, já na parte final da atuação, cerca de oito mulheres para o palco. Correu tão bem que, decidiram continuar mesmo após a “deixa” para a minha entrada. O problema é que q certa altura, e já com a musica do meu show a rodar, eles já não tinham mais nada para despir e começava a complicar. Os dois acenavam para que eu entrasse enquanto eu me divertia a vê-los, já um pouco atrapalhados, enquanto o público delirava com a situação, exprimindo-se com gritos estéticos.
Lá entrei, vestindo com a capa preta de brilhantes… Aproximei-me das convidadas e rodei entrosado com eles. Elas estavam sentadas à volta de uma cama que decorava e permitia as cenas dos artistas em palco.
Num determinado momento, subi à cama, de maneira a ver-me envolvido naquelas figuras femininas. Mas a ideia não foi muito feliz. De imediato, elas viraram-se para mim e desataram a tentar despir-me abruptamente. Tentei defender-me gentilmente mas não resultou. O plano dois foi, deitar-me na cama mas as dezenas de mãos não paravam, ou de me apalpar, ou de me tentarem despir com alguma brutalidade. O plano três foi, virar-me de barriga para baixo mas foi difícil. Foi quando o David e o Sergi se aperceberam e lá pegaram na mão de algumas senhoras e começaram a encaminhá-las para fora do palco, não de uma forma de expulsão mas num convite para finalizar a atuação.
No último dia, visitei a cidade do México. Cidade linda, completa de história e monumentos de monstruosas construções religiosas. A arte sacra é notável e o órgão gigante faz-nos pequenos. Um dos maiores instrumentos musicais do mundo.
Cada mexicano vira-se como pode e a imaginação é muito fértil. Os vendedores ambulantes estão bem organizados. À passagem da polícia, alguém bem definido alerta todos os vendedores através dum “Walkie-talkie”. Tudo desaparece em segundos. A moeda tem pouco valor em relação ao Euro, o que permite boas compras mas sempre a regatear. No segundo dia da nossa atuação, recolhemos uns milhares de “pesos”, notas, muitas notas. Percebíamos que na conversão, não tínhamos assim tanto dinheiro, mas gostávamos da sensação de ilusão. Uma espécie de jogo de “Monopoly” mas mais real.
A minha foto na cama do hotel era apenas essa ilusão, transformada num momento de comédia.
Já no regresso da visita à capital mexicana, uma imagem curiosa despertou-me a atenção. Uma fila de pessoas, junto a um muro, exibiam cartazes a oferecer-se par um emprego. Se por um lado é um sinal de pobreza, por outro, e para mim o mais importante, um sinal de inteligência e de contornar os obstáculos sociais. Foi nesse momento que achei que o bom humor podia servir de lição.
Dirigi-me a um dos desempregados e pedi-lhe amavelmente para me emprestar o seu cartaz e fotografar comigo aquele momento. A boa disposição e o respeito imperaram. Sentei-me junto a eles e partilhei alegremente aquele momento para a fotografia. Saí, desejei-lhe a melhor felicidade e sem que me tivessem cobrado algo, deixei uma pequena quantia monetária, o suficiente para umas boas cervejas. No fundo, até percebi que foi um dos raros momentos que se riram. Riram-me da minha atitude improvável e tola, mas são estas tolices que nos fazem felizes às vezes.
Regressámos ao miniautocarro, sempre vigiados pelo nosso “Guarda-costas”. Fiquei com a imagem maravilhosa da cidade e do povo mexicano.

Saludos!!!

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