Foi uma daquelas viagens
atribuladas, carregadas de ansiedade e sofrimento causado pelo relógio e pelo
desconforto. A saída foi exatamente no meu dia de aniversário. Mas lá parti eu,
feliz e contente.
A partida foi pelas 10 horas
da manhã, em 28 de Março do ano de 2012… Às sete já estava a caminho do
aeroporto.
Até Madrid gastámos pouco
mais de uma hora. Aí apanharíamos o avião da companhia mexicana para a cidade
do México, onde os Beatboys iriam atuar para mais de cem mil pessoas, num dos
maiores eventos do mundo deste género, a “Expo Sexo Mexico 2012”. Tínhamos
aproximadamente duas horas de intervalo.
Mas o fuso horário e a má
leitura do bilhete levou-nos a ver o avião levantar e acabámos por ficar em
terra. A desilusão e a impotência foram pesadas e duras de roer. Fomos
diretamente às informações sempre com as malas cheias de esperança. Antes,
recolhemos as bagagens pesadas e no limite do peso aceitável.
A má notícia chegou… O
próximo voo para a cidade do México seria vinte e quatro horas depois. Segunda
desilusão. Por gentileza, a responsável lá nos deixou pagar uma taxa para
podermos viajar com o mesmo bilhete, porque na realidade tínhamos perdido o
direito de viajar com o bilhete em posse. Menos mal…
Após quatro horas, tínhamos
pela frente, mais vinte e três e ainda doze de viagem até ao destino. Tempo
demais para viver num aeroporto. Mas não havia solução. Á porta da WC não me
restava outra solução se não unir as tropas. Sabia que iriam ser horas duras,
sem conforto, sem família, ser carinho, sem TV, sem companheira, sem lençóis,
sem comida decente, sem segurança e muito, muito tempo para partilhar com as
mesmas companhias. Estranhamente, estávamos numa situação em que nada havia
para fazer, nada dava para fazer, não tínhamos para onde ir, nada havia para
ver… Aproximavam-se momentos complicados. A experiência dizia-me que, ou atuava
já ou o barco iria perder a direção.
Foi então que pedi para se
juntarem todos. Perante todo o astral de rastos e a desilusão ainda bem
presente, sentia que havia uma vontade subconsciente de acusar o próximo,
encontrar culpados, chorar de raiva. Era o momento:
- Pois é malta, o avião já
foi. Não interessa encontrar culpados porque cada um é responsável pelo seu
bilhete e se alguém confiou no próximo, paciência, assuma o erro de não ter
tido o trabalho de confirmar o seu. Mas a vida é assim e diariamente há gente a
perder o avião. Não fomos deliberadamente negligentes, por isso não nos devemos
sentir culpados. Agora e mais que nunca, estamos entregues a nós próprios,
vamos passar muitas horas juntos e o cansaço, a má disposição e o desconforto
vão tornar-nos mais sensíveis, sem paciência. É neste momento que nos temos de
apoiar, manter a boa disposição, ajudarmo-nos, ajudar a que o tempo passe,
sempre unidos. Olhar para trás nada resolve, o avião não volta e o próximo
ainda está longe. Vamos lá tentar ocupar o tempo, inventar algo, manter as
energias positivas. Depois deste azar e sofrimento, vão ver que tudo
compensará. Perdemos algum dinheiro mas ainda havemos de ter lucro. Perdemos um
dia mas ainda temos cinco para mostrarmos o que valemos. Vão ver que no final
ainda nos vamos rir… Ok?
Os sorrisos renasceram em
nós. A primeira missão foi encontrar um local para pernoitar, o mais
confortável possível. Mas a tarefa pareceu impossível. Os bancos foram criados
de maneira a não ser possível a posição horizontal para dormir. Tudo pensado
para o bom aspeto do aeroporto e dos seus utentes.
Procurámos estratégias até
que descobrimos um recanto, janelas gigantes viradas para as pistas, parapeitos
baixos e em madeira… Mas não passaram no teste. Eram estreitos demais para
corpos de noventa quilos. Continuámos…
E lá descobrimos o lugar
ideal. Claro que já estávamos mentalizados que a descrição de lugar ideal já
pouco se aproximava do desejado. Era um corredor amplo, próximo de um dos
“Check in”, com tomadas para ligarmos os aparelhos eletricos, restaurante a
três metros, aberto vinte e quatro horas, com tudo o que não prestava. Aí
estava o nosso lar. Apressámo-nos a apoderar de um espaço. Rodeámo-nos dos
carrinhos de transporte de bagagens, ligámos o Notebook do David e decidimos ir
jantar. Escolhemos uma mesa onde pudéssemos vigiar os pertences e lá fomos.
Depois da refeição, bem
cara, regressámos aos lugares. Começaram a chegar mais viajantes e lá se foram
agrupando junto a nós. O tempo andava lento, o David partilhava os filmes, os
grupos ao lado ainda mantinham as gargalhadas. Mais longe, um casal inventava
uma caminha confortável para a criança irrequieta.
O tempo andava, a criança já
dormia e os viajantes iam adormecendo em posições pouco ortodoxas. O David
acabava de se deitar sobre o casaco e algumas camisolas que tinha na bagagem. O
Samoco, já tinha adormecido profundamente durante a tarde no banco de jardim
exterior, onde aproveitámos o sol brilhante de Madrid. O Sergi, relaxava
sentado, reclamando com o David para deixar ver mais um filme. E eu lá consegui
inventar uma coisa parecida com o conforto de um colchão, um porta-fatos com
quatro fatos de dança. Já nem me preocupava se os iria engelhar. O pouco
conforto permitiu adormecer por uns largos minutos, sempre interrompidos pela
vigia aos nossos pertences enquanto a voz do aeroporto repetia vezes sem conta,
- Sr. Passageiro, por vossa segurança, não abandone a sua bagagem, vigie-a.
Belo conselho para
adormecer…
Já bem tarde, ou bem cedo, o
Sergi decidiu adormecer sobre a mesa do restaurante. O passatempo preferido
foi, ir até ao restaurante e comer ou beber algo. A sandes mais barata era a
5,20euros, fora a bebida, o café, o bolo… O resultado final foi aproximadamente
cem euros só em alimentação.
Pelas seis horas da manhã,
já acordados pelas dores infringidas pelo mármore frio e duro do chão, o
segurança informa que já não podemos permanecer na posição horizontal, só
sentados. Para mim já tanto me fazia porque há muito que o chão do aeroporto
não me atraía…
O tempo foi passando, com o
grupo sempre unido, apoiado em boa disposição e força. Chegou a hora do novo
“Checkin.
Somos então informados que o
avião estava atrasado duas horas. Depois
de todo o sacrifício, aquela notícia era fel. O meu comentário soltou-se para
os meus companheiros:
- Se eles passam esta
informação, garanto-vos que não levantamos voo nem dentro de quatro horas.
E assim foi.
Os minutos finais antes do
embarque foram de tensão, alimentada pelo fantasma da última perda. Quem
expressou mais a ansiedade foi o David. Mas não era naquele momento final que
iríamos quebrar a união.
Finalmente embarcámos em
direção à capital mexicana. O cansaço era indisfarçável.
A aterragem precedeu-se de
uma longa vista de luzem sem fim. Claro, trata-se de uma das maiores cidades do
mundo. Parecia que estávamos a passar um grande distrito de Portugal mas
totalmente iluminado, onde se agrupava tanta população de uma cidade como a
população total do país luso.
Finalmente aterrámos.
À nossa espera estava a
equipa da “Expo Sexo Mexico 2012”. À primeira vista, demonstravam uma
capacidade de organização e respeito bastante notáveis.
Direção: Hotel. Hotel =
conforto + duche + sono + sossego. Esta era a equação que tanto esperávamos.
Depois do duche ainda
arranjámos forças para um bom jantar mexicano com o nosso agente Óscar.
Deliciei-me com uma pura
piña-colada, uma boa carne e um descafeinado. Poucos arriscaram e fizeram o
mesmo pedido, exceto o David que se arrependeu.
A rua era estranha, muito
movimentada. Os bares eram enfeitados com imagens de corpos masculinos
esculturais. A cada esquina havia
quiosques ambulantes e fixos que vendiam um pouco de tudo, especialmente tabaco
avulso e alimentos, género petisco. Por todo o lado havia supermercados abertos
vinte e quatro horas, uns maiores, outros eram talvez lojas de conveniência.
A contradição surgia para os
mais desatualizados. Uma das cidades mais violentas ou menos seguras do mundo
mostrava-se como o oposto. Não percorríamos mais de quinhentos metros sem ver
um Dodge, super equipado, com grelha frontal para choques violentos, polícias
com coletes á prova de bala e luzes de emergência sempre ligadas, com
tecnologia “Led”. Era por certo, a cidade mais vigiada e segura do mundo,
exatamente o oposto da visão europeia sobre a México. Estava deslumbrado… A
organização policial era soberba, implacável e praticamente omnipresente.
Caminhar naquela cidade mais
parecia caminhar num cenário futurista e imprevisível.
No dia seguinte,
apercebemo-nos que a zona do hotel era quarteirão mais conhecido e frequentado
pelo mundo “Gay”. Isso tornava a rua num local ainda mais seguro para as
estrelas femininas do mercado dos filmes pornográficos. Embora as instruções fossem
para não sair do hotel, algumas atrizes fugiram no escuro da noite para dar um
passo de dança e lá comentavam de manhã…
A primeira saída para o
“Expo Sexo Mexico” foi fria mas entusiasmante. Para nós era o primeiro dia,
para os outros, o segundo. Ninguém saía do hotel sem a estreita vigia dos
“guarda-costas”. Todos os passos eram acompanhados pelos olhares dos vigias.
O “mini-bus” levou-nos até
Pavilhão de congressos. O cenário policial mantinha-se durante o dia e por todo
o lado que passávamos. Os “Guarda-costas”
nunca se afastavam e guiavam-nos ou seguiam-nos.
Entrámos num espaço
gigantesco, dividido em quatro. Cenários enormes elevavam as imagens das
atrizes porno, umas estrelas, outras menos. Nós nem sabíamos para onde íamos…
Entrámos num camarim central,
rodeados de staff, seguranças, atrizes lindas, oriundas do leste. Lá
construímos um canto para os Beatboys. Os olhares desconfiados iam surgindo em
direção aos novos hóspedes.
Em relação à organização dos
espetáculos, tudo corria menos bem. Nem um lugar tínhamos para atuar. A
frustração começava a apoderar-se de nós. O sonho começava a desvanecer.
Um palco surgiu. Era um
palco pequeno, feio, sem local para permanecer… a primeira atuação foi curta e
improvisada. Captámos alguma atenção mas longe do que nos habituámos. Mais
tarde, já à procura de novas soluções para termos sucesso, organizámos um show
mais completo e interativo.
Entrava em palco o Samoco,
seguia o David, depois o Sergi e por fim eu.
No final da atuação do
David, o espaço em frente estava apinhado de gente, acalorada e excitada com o
espetáculo. Agora já tínhamos o ambiente que tanto esperávamos e ao qual nos
habituámos. Os sorrisos renasceram. Mas foi neste momento que entra um
animador. Pedi-lhe que se afastasse um pouco para eu fotografar e a resposta
nada tinha a ver com o meu pedido. Percebi que o que ele, timidamente, me
estava a transmitir. Ou seja, estava a dizer-me que, como estava ali muita
gente, o espetáculo terminava, para eles poderem vender.
Se bem me conheço, esta era
uma “batata dura de roer”.
Após alguns segundos de
meditação, dirigi-me ao resto do grupo e disse:
- Arrumem de imediato as
vossas coisas, tragam as minhas e vão ter imediatamente comigo ao camarim.
Não havia lugar para
boa-educação. Virei as costas e fui.
No camarim encontrei o Oscar
junto do Alberto, o patrão de tudo. Chamei o agente à parte e expus a situação:
- Oscar, estamos aqui para
trabalhar e sermos respeitados. Nós só queremos trabalhar, nada mais. Seja
muito ou pouco, estamos aqui a representar-vos e queremos condições para fazer
o que sabemos fazer e darmos o nosso melhor. O que se passou foi que, alguém
responsável pelo palco onde atuávamos, interrompeu o nosso show a meio para
poder vender e isso é uma falta de respeito pelo nosso trabalho, ainda por cima
porque o argumento é carregado de estupidez. No mínimo, esperava pelo final e
ditava as regras, não era a meio do jogo. E aí, teria o direito de concordar ou
não.
A compreensão foi imediata.
Um pouco mais tarde, o Alberto falou comigo, percebeu a gravidade, lamentando e
instruiu o Marco, responsável pela organização dos espetáculos, a encontrar um
bom palco para os Beatboys.
Fomos para o palco Holanda.
Era um palco de sexo ao vivo
mas não passava de shows lésbicos, decorados com sexo oral e vibradores à
mistura. Longe dos habituais “sexo ao vivo” dos eventos ibéricos onde nós
atuávamos.
O espaço era amplo, bom som,
boa visão. O responsável pelo som era o Jorge, indivíduo simples, bom amigo,
companheiro e sempre prestável. Ao contrário do espectável, as atrizes do show
lésbico, receberam-nos e ajudaram-nos sempre. O facto que poderia ser ponto de
conflito, era o de necessitarem de tempo para tirarem fotos, que eram pagas.
Nós também o queríamos fazer e neste momento, a frase “Tempo é dinheiro”, encaixava
plenamente. Mas não foi. Toda a equipa que pertencia ao espaço em questão,
portou-se como uma família. Todos tiveram o seu momento para tudo e todos
brilharam sem conflitos ou atropelamentos.
O público era de cem homens
para dez mulheres. Isso nunca impediu as mulheres de terem o seu espaço e
manifestarem-se efusivamente. Posso afirmar que o povo mexicano é um povo de
mente aberta, muito evoluída e sempre feliz.
Com o passar do tempo, os
espetáculos tornaram-se mais escaldantes e a nossa interação com o público
tornou-se ainda mais próxima.
O show do hino dos Beatboys,
o “Sexbomb”, deliciava o público presente e o nosso ego crescia.
Numa coreografia improvisada
do Sergi e do David, com a fantasia de polícias, decidiram convidar, já na
parte final da atuação, cerca de oito mulheres para o palco. Correu tão bem
que, decidiram continuar mesmo após a “deixa” para a minha entrada. O problema
é que q certa altura, e já com a musica do meu show a rodar, eles já não tinham
mais nada para despir e começava a complicar. Os dois acenavam para que eu
entrasse enquanto eu me divertia a vê-los, já um pouco atrapalhados, enquanto o
público delirava com a situação, exprimindo-se com gritos estéticos.
Lá entrei, vestindo com a
capa preta de brilhantes… Aproximei-me das convidadas e rodei entrosado com
eles. Elas estavam sentadas à volta de uma cama que decorava e permitia as
cenas dos artistas em palco.
Num determinado momento,
subi à cama, de maneira a ver-me envolvido naquelas figuras femininas. Mas a
ideia não foi muito feliz. De imediato, elas viraram-se para mim e desataram a
tentar despir-me abruptamente. Tentei defender-me gentilmente mas não resultou.
O plano dois foi, deitar-me na cama mas as dezenas de mãos não paravam, ou de
me apalpar, ou de me tentarem despir com alguma brutalidade. O plano três foi,
virar-me de barriga para baixo mas foi difícil. Foi quando o David e o Sergi se
aperceberam e lá pegaram na mão de algumas senhoras e começaram a encaminhá-las
para fora do palco, não de uma forma de expulsão mas num convite para finalizar a
atuação.
No último dia, visitei a
cidade do México. Cidade linda, completa de história e monumentos de
monstruosas construções religiosas. A arte sacra é notável e o órgão gigante
faz-nos pequenos. Um dos maiores instrumentos musicais do mundo.
Cada mexicano vira-se como
pode e a imaginação é muito fértil. Os vendedores ambulantes estão bem
organizados. À passagem da polícia, alguém bem definido alerta todos os
vendedores através dum “Walkie-talkie”. Tudo desaparece em segundos. A moeda
tem pouco valor em relação ao Euro, o que permite boas compras mas sempre a
regatear. No segundo dia da nossa atuação, recolhemos uns milhares de “pesos”,
notas, muitas notas. Percebíamos que na conversão, não tínhamos assim tanto
dinheiro, mas gostávamos da sensação de ilusão. Uma espécie de jogo de
“Monopoly” mas mais real.
A minha foto na cama do
hotel era apenas essa ilusão, transformada num momento de comédia.
Já no regresso da visita à
capital mexicana, uma imagem curiosa despertou-me a atenção. Uma fila de
pessoas, junto a um muro, exibiam cartazes a oferecer-se par um emprego. Se por
um lado é um sinal de pobreza, por outro, e para mim o mais importante, um
sinal de inteligência e de contornar os obstáculos sociais. Foi nesse momento
que achei que o bom humor podia servir de lição.
Dirigi-me a um dos
desempregados e pedi-lhe amavelmente para me emprestar o seu cartaz e
fotografar comigo aquele momento. A boa disposição e o respeito imperaram.
Sentei-me junto a eles e partilhei alegremente aquele momento para a
fotografia. Saí, desejei-lhe a melhor felicidade e sem que me tivessem cobrado
algo, deixei uma pequena quantia monetária, o suficiente para umas boas
cervejas. No fundo, até percebi que foi um dos raros momentos que se riram.
Riram-me da minha atitude improvável e tola, mas são estas tolices que nos
fazem felizes às vezes.
Regressámos ao
miniautocarro, sempre vigiados pelo nosso “Guarda-costas”. Fiquei com a imagem maravilhosa
da cidade e do povo mexicano.
Saludos!!!
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