O livro II: Pedaço de um espelho partido - O beijo fatal (pag 1 a 6)

O mar brilhava à minha frente, manchado de verde e azul paradisíaco. Ao longe, já à entrada do oceano Atlântico, mesmo em frente à cidade de Cascais, os navios de carga passavam tão lentamente que dificilmente nos apercebíamos se estavam ou não, ancorados.
Era uma tarde de Junho de 2012.
Há uns dias atrás, na caixa de correio do Facebook, recebi uma estranha mensagem. Era uma daquelas mensagens que nos leva ao desprezo ou à raiva justificada.
O indivíduo, se fosse real, demonstrava ser desequilibrado e frustrado com a vida. Daqueles que passam o tempo a dizer mal da vida alheia e que tudo lhes é maléfico.
O texto era pesado demais para ser interpretado com alguma sensatez. Mas era direto:
- “Olá monte de merda ! espero que já tenhas morrido ou senão que estejas a levar no kú. Um bem haja pelos teus cornos abaixo.”
Nada melhor do que inverter as intenções pelo que respondi com a única forma decente ao meu alcance:
- “Olá. Espero que estejas bem, tu e a tua família.”


_____________________________________________________pag 1




Não consegui identificar quem era a personagem desta fábula e por mais fértil que fosse a minha imaginação, não conseguia recriar a história, até porque, embora mais suave, a resposta seguinte fazia ainda menos sentido:
- “Para ti tb. Este video teu é muito fixe e deve de ter sido caro fazer isto bichona.”
Não me restava outra alternativa que descobrir e encontrar esta figura macabra…
Rapidamente obtive resposta que coincidiu com a terceira mensagem recebida:
- “Graças a ti a minha familia foi toda destruida agora e a tua vez . A não ser que me peças desculpa. Sim aquela tua atitude na passerel 2.”
Regressamos a 2005.
Trabalhava no clube Passerelle2. O clube de striptease masculino da cidade de Lisboa, para clientes femininas, onde eu fazia espetáculos de strip com outros dançarinos. Noites loucas, competitivas e fatigantes.
Lá, trabalhava um apelidado de “bailarino”, figura fisicamente estranha, corpo seco mas mal formado, pouco dado à beleza ou à sociabilização. Quando entrava em palco, executava uns movimentos parecidos com dança e ridicularizava-se quando tirava os calções. Tinha os glúteos tão “secos” e magros que, ao baixar-se, ficava com os músculos do rabo fibrados e o ânus ficava completamente exposto. Não era uma imagem muito agradável.


_____________________________________________________pag 2




Ele tinha poucas noções dos princípios profissionais mas era protegido pelo Gabi, o gerente do clube. Talvez porque ele sentia que, protegendo-o, ilibava-o de ser mau profissional. Os conflitos com ele eram habituais mas nunca com muita intensidade.
Esta personagem era o Xico e nunca percebemos qual a razão porque ele tinha a mesma profissão que nós…
Numa noite de sábado, ele decidiu dançar uma das músicas habituais do meu espetáculo.
É uma regra profissional, respeitar e coordenar as escolhas musicais de cada dançarino. O primeiro a usar uma determinada faixa musical na sua coreografia fica com o direito sobre a mesma, exceto se, por consenso mútuo, a partilharem. A música identifica a fantasia e o espetáculo de cada um.
Nessa noite, com muita rebeldia e indisciplina, o Xico usou a minha música principal. Era profunda e na qual eu me revia… “Ella” do cantor Alejandro Sanz.
Tendo ele conhecimento das regras, tomei a atitude dele como ofensiva. Por certo não usei muita sensatez mas sabia que a razão estava do meu lado.


_____________________________________________________pag 3




Quando nos achamos “donos” da razão, temos a tendência de exagerar na justiça para contrabalançar com os momentos em que a razão não nos cabe.
O Xico discutiu sem argumentar e sem um pedido de desculpas, o que me irritou ainda mais. Mas a noite prosseguiu e eu sentia-me bem mais confortável profissionalmente que ele.
Algo menos previsível aconteceu durante a nossa discussão.
Por perto estava a Teresa que ouviu intencionalmente toda a querela interiorizando a minha revolta. Ela sentiu, talvez, a minha impotência para fazer justiça. Ele mostrou total vilipêndio pelo trabalho e pelo que senti. O que aumentou o desrespeito.
Ao fim da noite, a Teresa explorou o ponto fraco do Xico e seduziu-o até ao momento final. Conseguiu fazê-lo acreditar, à boa maneira feminina, que ele era único e especial. E nada mais fácil para uma fêmea que “laborar” sobre a testosterona masculina.
A malícia sensual da mulher vence sempre a fraqueza testicular.
E assim foi.
Ele seguiu-a para uma noite de sexo e promessas. Ela levou-o para o canto da morte, enquanto ele mergulhava em beijos, loucuras e futurismos de felicidade.
No dia seguinte, ela desapareceu e manteve essa ausência durante algum tempo. Finalmente ela atendeu a chamada.


_____________________________________________________pag 4




O Xico questionou-a sobre o que se passou e desabafou, numa expressão de acusação, que não se sentia bem fisicamente. Ela fechou a cortina da sua vida numa curta frase:
- “Esta foi pelo Marko!”


E a vida encerrou para os dois neste momento. O destino ficou traçado fatalmente, sem retorno nem perdão. 

Quando olhar para trás quero sorrir porque vos fiz sorrir, quero sorrir porque tenho milhares de motivos para sorrir. Quero, se um dia já não puder olhar para a frente, sentar-me e fechar os olhos, deliciado com tudo o que a vida me dá de bom. Não me incomodem ou distraiam com o que me apaga a felicidade. Quero chorar com a fatalidade de ter vivido bem a vida.

E a história do Xico termina nestas suas últimas mensagens de Junho de 2012, sete longos anos depois:

- “Mas que fique claro que não deixo de te curtir assim como és , e também sei que tu não es aquele marko do dia do raleo. Ah! e para te provar que sou diferente que todos que leiam os palavrões , são o desabafo de anos e não um ataque a ti ou a tu imagem . Que fique isso bem claro, pois deves de estar a pensar nisso.


_____________________________________________________pag 5


Olá mais uma vez Marko, como ´logico deves de estar a pensar porque fiquei tão fulo contigo este tempo todo por causa da musica que usamos naquela noite, mas não. E é isso que eu quero esclarecer na minha mente antes de o meu figado estoirar. No mesmo dia em que tivemos a discuçao parva e saiimos para casa eu tive um relacionameto daqueles expontâneos com uma senhora que pensava eu ser sério e que ouviu a nossa discusão. E que no fim me disse: esta é pelo marko. e passou uns dias eu eu começo a sentir-me mal, tão mal que fui parar ao Hospital. Hepatite c , ligo para essa senhora e pergunto-lhe se ela tinha alguma coisa no sangue dela. E Ela diz-me assim : eu disse-te que essa era pelo Marko e deliga o telefone e nunca mais a vi. Apartir desse dia foi a sucessão de quedas em tudo , e agora com dois filhos que estão prestes a ficar orfão pois a hepatite atacou o figado ao ponto de estar no limite antes da cirrose . E só quero saber se tiveste alguma coisa a ver com isso ou se foi por autoria dela? Para ir descançado Entedes agora ?


De repente, somos nada.

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