A lágrima que não caiu
Cheguei ao destino. Para trás deixara algumas horas de caminho com a minha Cbr900.
A viagem na minha mota foi uma mistura de adrenalina desportiva, de raiva e de lágrimas.

Faltei ao funeral dele, porque não tive coragem, porque achei que ele não devia partir sem me avisar, porque ele era um pilar da minha vida que nunca reconheci. Restava outro pilar forte e importante, a minha velhota.
Durante a viagem, pensei em todas as vezes que fiz aquele caminho. Era noite. Levava comigo a ansiedade de abraçá-la, deitar-me junto dela e sabia que ela me ia acarinhar como se tivesse 5 anos.
Pela primeira vez ia perguntar-lhe como ia viver sem aquele velho resmungão, ia dizer-lhe o quanto gostava dela e queria que soubesse que não a ia abandonar, assim como ela nunca o fez comigo. Tantas vezes me sentava ao lado dela e caia lentamente sobre o seu colo, enquanto, delicadamente me passava a mão na pele. Era uma camponesa com pele de seda e com os seus gestos maternamente delicados. Eu adorava o cheiro da pele dela, entranhado, fruto do trabalho do campo. Era aquele cheiro que me confortava.
A minha avó não dizia o quanto me amava mas provocava-me a dor mais profunda do mundo. Desde sempre, dizia vezes sem conta para ser um homem corajoso, estudar e procurar uma vida melhor… E porquê?!
Queria tanto que me dissesse que ia estar sempre ao meu lado, que ia sempre gostar de mim, que ia sempre ter aquele colo para mim…
Apenas queria minimizar a minha dor na hora da partida. Queria que quando, de repente, ficasse só no mundo, soubesse sobreviver. Como uma fêmea que prepara a sua cria para enfrentar os perigos do mundo selvagem. Eu não queria ouvi-la mas as palavras interiorizavam-se sempre.
- Filho, já não tenho muito tempo, tens de ser um homem, tens de ser forte e procurar sempre uma vida melhor. Olha que daqui a amanhã a avó já não está cá! O que será de ti…
Tornei-me tão forte que, algumas vezes, á porta da morte, nunca neguei a vida e ultrapassei todo o sofrimento.
A viagem estava a chegar ao primeiro fim. Passava da meia-noite. Parti de Lisboa e acabava de chegar a Penamacor. Estacionei a mota barulhenta à porta da Casa de Repouso. Era lá que habitava a minha avó, naquele contentor de humanos fora de validade.
Sabia que a hora não era a indicada para visitas mas ninguém ia ter a coragem de negar os meus intentos.
Toquei à campainha. Alguém desce as escadas em passos bem definidos no imenso silêncio. Abriu-se a porta e uma senhora simpática acolheu-me logo na primeira explicação.
- A sua avó já deve estar a dormir mas eu vou levá-lo lá porque percebo o que está a passar e o sacrifício que fez para estar aqui.
Entrei num quarto partilhado, composto por cinco camas individuais.
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